A música como ferramenta de contracultura no protestantismo

Este texto é parte do artigo CONTRACULTURA NO PROTESTANTISMO (Gladir da Silva Cabral e Sérgio Paulo de Andrade Pereira), onde mostra sinais de contracultura em relação à tradição da música litúrgica brasileira, iniciada no final da década de 60, destacando a música como fator importante nesta transformação junto ao grupo Vencedores por Cristo.

A música cristã contemporânea sofreu grande influência do Jesus Music, movimento que ocorreu, no fim dos anos 1960 e início da década de 1970, nos Estados Unidos e na Inglaterra (STEFANO, 2011). Esse movimento foi uma resposta à tradição institucionalizada das Igrejas protestantes, principalmente do ramo histórico (Luterana, Anglicana, Presbiteriana, Batista, Metodista), onde até então não havia lugar para os jovens se expressarem, e ao movimento que privilegiava “sexo, drogas e rock and roll”, o movimento hippie (BAGGIO, 1997, p. 57). As marcas ideológicas e contraculturais do movimento hippie, que já estavam de certa forma prenunciadas pelo movimento Beatnik dos anos 1950, são a crítica ao consumismo e ao materialismo da sociedade capitalista moderna, a defesa do pacifismo e do relativismo moral como filosofia de vida, a defesa da liberdade quanto ao uso de drogas, às expressões artísticas e às práticas sexuais e a pregação da consciência ecológica. Entretanto, esse movimento não estava politicamente alinhado a nenhum partido de esquerda e a nenhuma causa maior, seja ela marxista, sindical ou de classe social.


Billy Graham na Explo ‘72

O fim da década de 1960 foi a época dos grandes festivais, os de Woodstock e de Monterey nos Estados Unidos, o da ilha de Wight na Inglaterra, que reuniram até 500 mil pessoas, numa fraternidade eufórica. A entrada do novo decênio foi fatal para a utopia hippie, cuja chama se mantivera acesa por muito tempo […] Como um símbolo disso, os Beatles separaram-se em 1970 e John Lennon cantou “o sonho acabou” em seu primeiro disco solo. Diante do desencanto que sobreveio, cada um procurou uma solução de acordo com o próprio temperamento (MASSIN et al., 1997, p. 1115-1116).

Assim como os jovens dos anos 1950 enxergaram no rock uma ótima maneira de se expressar (MARTIN, 2002, p. 9), o Jesus Movement trouxe à juventude cristã dos anos 1970 um meio de, além de se expressar, também evangelizar (BAGGIO, 1997, p. 52). Evidentemente, mais do que forma de expressão, o movimento configurou-se como o estabelecimento de certo padrão de consumo e produção da indústria cultural. Dessa perspectiva, a importância histórica dos movimentos sociais e de contracultura cresce na medida em que se percebe quanto contribuíram para transformar as relações sociais e os valores da modernidade, com implicações diretas na construção das identidades culturais (HALL, 2006; GIDDENS; FIKER, 1991). As ideias do Jesus Movement foram “exportadas” para o Brasil no final da década de 1960 e se consolidaram nas missões Palavra da Vida, Mocidade Para Cristo, Jovens da Verdade, Sepal, entre outras (FREDDI JR., 2002, p. 42). Tal processo de influência religiosa e cultural norte-americana coincidiu com o turbulento período político brasileiro, igualmente marcado pela influência política e ideológica dos Estados Unidos. Por fora e além dessa influência, operava o crescente processo de globalização da economia mundial.

O ano de nascimento (1968) da missão VPC (Vencedores por Cristo) coincidiu com a assinatura do Ato Institucional nº 5 (AI-5), que levou o Brasil ao período mais violento da ditadura militar. Em várias partes do mundo explodiam reivindicações por direitos e democracia: passeatas por igualdade nos Estados Unidos e na Irlanda do Norte; protestos contra a Guerra do Vietnã; intervenção da URSS na Tchecoslováquia; barricadas na França pela democratização do ensino – Maio de 68 em Paris. No Brasil, essa influência é ambígua na medida em que se dá, de modo conservador e antirrevolucionário, nos escalões mais altos da política nacional, ao mesmo tempo que ocorrem manifestações populares e juvenis de contestação e protesto. Consequentemente, as missões protestantes foram movidas a buscar maneiras de contextualizar seu discurso em face de tantos acontecimentos que ocorriam no mundo a fim de sua evangelização ser mais direta e eficaz (CAMARGO FILHO, 2005, p. 16). Uma saída foi alinhar sua música com os gêneros e estilos musicais veiculados nas tevês e rádios da época, isto é, assimilar, reproduzir e remodelar a cultura de massa de então. Internamente, também o período trouxe mudanças à medida que uma nova geração de jovens protestantes demandava espaço para atuação no contexto eclesiástico e paraeclesiástico. Entre as missões que utilizaram o novo formato musical estava a Sepal, que dirigiu, a princípio, os trabalhos do grupo musical e missão VPC (Vencedores por Cristo).


Vencedores por Cristo se apresentando na presença dos soldados do governo durante o regime militar

No final da década de 1960, os hippies convertidos ao cristianismo não encontraram espaço nas Igrejas tradicionais nos Estados Unidos. Passaram então a criar pequenas comunidades, preservando alguns valores da sua cultura, entre eles a música, que passou a estar mais sintonizada esteticamente com a música veiculada na mídia da época. Nesse aspecto, há um paralelo entre o trabalho musical de Vencedores por Cristo e a proposta do Jesus Movement: em ambos há uma aproximação estética da música com a cultura na qual estão inseridos.

Depois de pesquisarmos a ligação entre contracultura no protestantismo brasileiro a partir do disco De vento em popa, chegamos à conclusão de que ele não representou “contracultura” na primeira forma definida por Pereira. Apoiados na segunda forma, entendemos que essa obra de VPC foi contracultural no sentido de se impor contra alguns dos costumes protestantes vigentes, de dentro para dentro, ou seja, de protestantes combatendo formatos do protestantismo no que tange à música (contra a cultura estadunidense e europeia de utilizar apenas suas formas musicais, ritmos e instrumentos, os quais eram considerados os únicos litúrgicos) e ao vocabulário (contra a cultura de separação do “mundo”, ou seja, tentando se comunicar com o brasileiro de forma mais clara nas letras). A ideia da produção de um disco tendo como público-alvo potencial a juventude é também de certa forma contracultural no sentido de reconhecer a presença e a importância da nova geração no contexto do protestantismo brasileiro.Um dos colaboradores do jornal O Pasquim, Luís Carlos Maciel, define contracultura assim: “Contracultura é a cultura marginal, independente do reconhecimento oficial” (PEREIRA, 1986, p. 13). O grupo Vencedores por Cristo, ao lançar um disco como esse, foi posto à margem pelas lideranças protestantes da época, uma vez que suas composições e arranjos remetiam muito à MPB não cristã. No entanto, as influências dessa obra continuam a soprar, e diversos artistas foram alcançados por elas.

Fonte: http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/cr/article/view/5056/3845

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Melqui Oliveira

Colunista

Missionário, publicitário, artista plástico e ex-baterista. Manager da Rhythm Rock Store, Sete Merch, Missões Aclive e Senhor Cabide. Co-produtor da revista Templo Metal Pocket e colaborador no portal templometal.com. Colaborador do Palco Gospel Bahia e produtor do Porão das Tribos. Nesses últimos anos pude ver a apresentação do Mike Portnoy com o Dream Theater na formação de 1999. 

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